Sob o Céu de Pedra Azul l 2015

 

SOB O CÉU DE PEDRA AZUL

Alexandre Sequeira

Transpor para compor; existir para fazer parte” (Roberto Cardoso, participante da ação em Pedra Azul/MG)

No dia 14 de julho de 2015, cheguei a uma pequena cidade cercada por lindas formações rochosas situada no nordeste do Vale do Jequitinhonha. Seu nome: Pedra Azul. A cidade teve origem em 1730, a partir de um povoado inicialmente denominado Nossa Senhora da Conceição da Boca da Caatinga. No começo do século XX, a descoberta de um bamburro de águas marinhas mudou para sempre o rumo do lugar. O povoado virou distrito, que virou município, e, em 1943, a cidade foi batizada de Pedra Azul. Em função da prosperidade econômica decorrente dessa descoberta, passou a reunir em seu centro um expressivo conjunto de belas edificações de inegável valor arquitetônico, além de uma série de outros equipamentos urbanos. A cidade tornou-se referência turística na região.

Com o crescimento experimentado ao longo das décadas seguintes, vieram as transformações e mazelas tão comuns aos centros urbanos: o crescimento desproporcional e a consequente falta de estrutura para atender seus habitantes. Hoje, Pedra Azul agrega em torno do centro histórico uma série de novos bairros que carecem de infraestrutura básica.

Cheguei  a Pedra Azul convidado pela ONG Área Criativa, instalada na Rua Cinco do Planalto, bairro periférico da cidade, para desenvolver uma ação fotográfica com jovens moradores do lugar. A ONG trabalha com o objetivo de gerar ações voltadas ao lazer e à educação de crianças e adolescentes que lá habitam.

No meu primeiro encontro com os jovens interessados em participar da ação, percebi o caráter heterogêneo da turma. O grupo era composto não apenas de jovens moradores das áreas periféricas, mas também de outros oriundos da região mais central da cidade – o que indubitavelmente enriqueceria as discussões que viríamos a experimentar em nossos dias de convívio. Como estratégia metodológica, solicitei a meus companheiros de trabalho que, numa caminhada coletiva, me apresentassem a cidade de Pedra Azul. Pude perceber, em alguns, certo desconforto ao percorrer as ruas da área mais tradicional da cidade. Em posteriores conversas com moradores, tomei conhecimento de que jovens oriundos das áreas periféricas nem sempre eram bem-vindos nas áreas que concentravam uma população mais tradicional e conservadora. Era evidente que tal postura se restringia a apenas uma pequena parcela da população e que esse comportamento não representava a cidade. Sem dúvida, essa percepção me fez dirigir uma especial atenção para o tema, como forma de animar as práticas fotográficas que viríamos a desenvolver.

Num estúdio improvisado na Área Criativa, nos dedicamos a compreender alguns recursos dos equipamentos fotográficos de que dispúnhamos, a partir da execução de retratos com luz natural e artificial. A turma se revezava no papel de fotógrafo e fotografado. As imagens eram capturadas em fundos brancos ou pretos, numa tentativa de dirigir a atenção somente ao indivíduo fotografado: suas características pessoais, seu comportamento singular no momento do clique. O jogo era divertido na medida em que, no desenrolar da ação, algo de genuíno e singular do perfil de cada fotografado se afirmava. Paralelamente à ação de estúdio, apostamos em incursões fotográficas pela cidade na busca de lugares que melhor representassem a vida em Pedra Azul. Nossas saídas fotográficas fotográficas alternavam visitas à região mais central com visitas ao bairro onde o Projeto Área Criativa tinha sua sede.

Com base nas discussões e percepções experimentadas ao longo dos dias de convívio e trabalho, a apresentação dos resultados buscou dirigir atenções às relações de pertencimento vividas por cada um dos participantes. Numa decisão conjunta, optamos por priorizar um trânsito simbólico de imagens por toda a cidade, na forma de projeções em edificações, tanto do centro quanto da periferia de Pedra Azul. A opção pela escala em tamanho real buscou enfatizar, mesmo que simbolicamente, o direito de cada indivíduo viver e usufruir de sua cidade em sua totalidade. Pertencer a ela. Nas primeiras horas da noite, a cidade passou a ser invadida por imagens de jovens projetadas sobre prédios históricos do centro da cidade, como também nas fachadas das residências dos bairros mais periféricos. A reação de entendimento e adesão por parte dos moradores era evidente. Carros reduziam a velocidade para melhor apreciar e até aplaudir; sorrisos de consentimento e cumplicidade surgiam de cada janela que se abria para acompanhar a alegria dos participantes da ação que se abraçavam, riam e interagiam com a s imagens projetadas pelas ruas de Pedra Azul.

O resultado de nosso workshop certamente deixou uma divertida (e nem por isso menos importante) provocação sobre a percepção que esses jovens tinham da cidade. Como lembra Slavoj Zizek, são precisamente as ficções que nos permitem estruturar nossa experiência do real.

PARTICIPANTES

Eduardo, Eros, Yure, Emili, Samuel, Manuela, Leonel, Igor, Kailine Santos, Ivia, Morais, Larissa Pedroso, Roberto Cardoso, Simão Oliviera, Vinicius Romualdo, Gabriel Vieira, Stefany Botelho, João Pedro Rodrigues, Jhasminy Dias, Emylle Corrêa, Lara Martins e Paulo Brayan.

A FOTOGRAFIA COMO ESTRATÉGIA DE ENCONTRO

O espaço cultural Área Criativa fica localizado na cidade de Pedra Azul, no vale do Jequitinhonha (MG), e tem como proposta ser um local para encontro, produção, formação, intercâmbio e experimentação artística. O espaço foi pensado, construído e gerido junto com grupos culturais da cidade formados em sua maioria por adolescentes e jovens. A programação, que é feita coletivamente, é composta de oficinas, aulas de capoeira, circo, teatro, cineclube e residências artísticas, que são uma forma de criar intercâmbios com artistas de outras partes do Brasil.

Para começar esse programa de residência, convidamos o professor e artista Alexandre Sequeira, cujos trabalhos são feitos em colaboração. O trabalho desenvolvido durante a residência deu-se em forma de oficina com duração de uma semana e envolveu crianças e adolescentes de diferentes bairros da cidade. A oficina ocorreu na Área Criativa, no bairro Planalto, e no Cededica Vale, uma importante ONG parceira, localizada no centro. A circulação entre os dois bairros, algo que a princípio nos pareceu simples pelo tamanho da cidade, com cerca de 23 mil habitantes, mostrou-se algo mais complexo.

A proposta feita por Alexandre teve como título A fotografia como estratégia de encontro. Ela lançou mão da fotografia como vetor capaz de promover plataformas de convívio entre participantes da oficina. Essa proposta fomenta um ambiente favorável ao encontro das diferenças e isso se tornou uma das principais questões trabalhadas com os adolescentes envolvidos.

Ao final do processo, produziu-se uma série fotográfica que registrou a ação de projetar imagens das crianças e adolescentes moradores do bairro Planalto nas fachadas das casas históricas do centro e o registro da projeção das imagens dos adolescentes que vivem no centro na fachada das casas do Planalto. Para fazer esse intercâmbio simbólico, foi necessário primeiro criar situações de encontros reais entre os meninos e meninas dos diferentes bairros da cidade. O processo de produção das imagens e os encontros tornaram-se um espaço lúdico de convívio, interações e trocas que pouco a pouco foram borrando os limites entre centro e periferia.


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